quinta-feira, janeiro 19, 2006

A fome molhada






Lendo um dos contos de Alexandre Neverov, A Fome, fui tomado por uma constatação não muito nova, mas que me fez refletir. A fome não é seca. Tampouco molhada. É fome não adjetivada.

O brasileiro médio cultiva a crença de que a fome é seca, no Nordeste as pessoas comem menos por não terem água. Um mínimo pensamento crítico sobre o assunto rebate essa tese. Mas não se esquece, nunca, em foro intelectual íntimo, de que a seca é responsável pela morte, pela miséria. As imagens da caatinga e da palma, vegetação que nem nativa do Brasil é, remetem logo a uma piedade compartilhada típica de telespectador de Globo Repórter. Não que essa pena comprometa a integridade das pessoas. Até indica boa ética. Mas o tipo de associação feita não ajuda, definitivamente, a solucionar o problema


"O caminho, todo gretado, parecia coberto de feridas purulentas, podres e fundas. Os esquilos gritavam monotonamente. Como grandes e estranhas gotas de chuva, gafanhotos verdes de olhos redondos e fixos, caíam a seus pés."
*Alexandre Neverov - A Fome


As palavras de Neverov descrevem uma Rússia molhada, com neve recém descongelada e vegetação semi-morta. Num momento do texto, o autor ainda se refere às terras como "secas", sobre a infertilidade do solo. O detalhe visual que difere essa parte ao Nordeste do mundo da parte ao Nordeste do Brasil é a neve. A vegetação remexida pelos humanos em busca de comida é a mesma. O sentimento de derrota também. E, principalmente, o sopro de nada no estômago é compartilhado.

A atenção do tupiniquim merece ser voltada à fome em geral. Acostumou-se, nesse país, a se fazerem promessas visando o fim da fome dos irmãos nordestinos. E, quando se anuncia uma redistribuição das águas do Rio São Francisco para levar uma certa umidade ao solo deles, acredita-se que vão ter as barrigas cheias. Mas se esquece, finalmente, que quando ao Sudeste vêm, alguns continuam a passar fome. Uma molhada, úmida e purulenta fome.

5 Comments:

Blogger Marcela said...

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quinta-feira, janeiro 19, 2006 1:29:00 AM  
Blogger Marcela said...

Caramba!! Você arrasou no texto!!!
Seus textos estão a cada dia que se passa, melhores!!
Você realmente me fez refletir... sempre associamos a fome à paisagens castigadas pelo sol, com terras secas e rachadas, como aqui no Nordeste e na África, mas nos esquecemos que a neve queima a plantação, que a geada muitas vezes destrói um ano inteiro de cultivo!
Assim como um náufrago pode morrer de sede em frente ao mar... é água... mas água salina.
E várias são as fomes de nossa confusa raça humana... uns têm fome de pão, outros de afeto... que pão te falta?
Tenho fome de amor... amor verdadeiro...

É isso... chega! Senão vou fazer um texto aqui...

Sem mais,
Marcela

quinta-feira, janeiro 19, 2006 1:39:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Как ты издаешь российский роман на португальском
Я не знаю Александир Неверов

quinta-feira, janeiro 19, 2006 2:14:00 AM  
Blogger Jean Souza said...

Eu também nunca tinha associado fome a especificamente algum tipo de condição climática ou geográfica. É claro que as regiões áridas do Brasil são caso clássico, mas eu nunca deixei de pensar nos miseráveis do sul ou das periferias do sudeste...

A gente sabe que fome afeta qualquer povo, seja em guerra, seja em desemprego etc etc...

Concordo com você, a atenção deve ser à qualquer fome.

quinta-feira, janeiro 19, 2006 2:23:00 AM  
Blogger Juliana Paixão said...

Nossa, tem ateh comentario em russo hein ph..rss eu arrisacria ateh tentar entender o comentario do gui..algo relacionado a como vc leu este texto em portugues..certo é q ele não conhece alexandre neberov.... bem, o gui pode me corrigir..rsss meu russo eh bem precario.rsss Ph, eu diria tbém q falandoem fome seca me lembroua expressão "a fome é negra"..Odeio qdo dizem isso, eu acho q a fome é ariana...rss bjo

sexta-feira, janeiro 20, 2006 12:44:00 PM  

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